Atendimento por Skype: uma realidade de nosso tempo
“o virtual, rigorosamente definido, tem somente uma pequena afinidade com o falso, o ilusório ou o imaginário. Trata-se, ao contrário, de um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a platitude da presença física imediata”
Pierre Levy no livro: O QUE É O VIRTUAL?, 1996.
No mundo de hoje a Internet faz parte de nossa vida, esse escrito que você está lendo dentro do Ciberespaço é prova viva disto. A Psicologia é atravessada por essa Era e, mesmo nós que trabalhamos em consultórios particulares, em nossas salas – matéria física – nos vemos às voltas com essa “invasão” da Internet. É cada vez mais comum ouvir histórias de psicólogos que atendem por Skype e os motivos que levam a esse caminho são diversos: mudança do paciente para outro país-cidade, paciente que por alguma circunstância fica restrito em casa (doença, gravidez, puerpério), paciente que viaja frequentemente à trabalho, um brasileiro que mora fora do país e quer fazer terapia com alguém de sua língua e cultura natal, uma pessoa que vive em numa pequena cidade e quer um psicólogo de fora para resguardar o sigilo, o psicólogo que se muda do Brasil… e, assim vai… Nossos tempos convidam o psicólogo a também habitar o ciberespaço, lugar feito por pessoas, lugar de conexão em essência. Somos empurrados para esse espaço virtual. Espaço esse no qual o encontro também pode se dar, uma escuta pode acontecer e uma conversa terapêutica mediada pelo computador se faz possível.
Mas e aí? Como se faz isso? O que se exige do psicólogo que irá desbravar esse caminho do atendimento nessa modalidade outra?
Pensamos que o primeiro ponto relevante consiste em sinalizar o quão fácil é nos precipitarmos em visões estereotipadas ou preconceituosas sobre o fenômeno. É difícil acolher verdadeiramente a nossa ignorância sobre o assunto. A experiência também nos lança em território distinto e é fácil recorrer à tentação de “cartilhas” que regrem e “organizem” a prática. Esses referenciais são bem-vindos, mas possivelmente sejam ainda insuficientes e descompassados para compreender o que se apresenta na atualidade.
O objetivo desse texto seria o de compartilhar algumas das modestas aprendizagens e questões amadurecidas nesse caminho.
Em primeiro lugar destacamos a importância de assegurar o setting e a estrutura: um bom suporte físico, ou seja, um bom computador, uma câmera e microfone de qualidade, um antivirtus confiável, uma boa conexão com a Internet e um espaço físico cuidado, iluminado, silencioso. O cuidado e investimento com o espaço físico que um bom profissional despende em seu atendimento presencial, deve ser transportado para o atendimento online. Pode parecer trivial, mas ressaltamos como é essencial garantir essa ambiência. Mesmo porque o paciente não chega em uma sala silenciosa, reservada na qual há garantias de certas condições. Ele também precisa ativamente responsabilizar-se por isso. É interessante situar a questão do contrato nesse contexto. Lembremos de uma paciente que frequentemente buscava cafeterias; livrarias e outros contextos similares para as sessões. Ela conseguiu dar-se conta da precariedade que essas escolhas representavam para o trabalho. Foi justamente esse aspecto formal do enquadre “fugidio” do atendimento online o quê proporcionou oportunidade para uma série de efeitos e avanços importantes. Também aprendemos sobre a necessidade de reafirmar certos pactos; compromissos e limites: “sim: só vamos trabalhar se ambas conseguirmos preservar umas condições básicas de visibilidade, silêncio no ambiente, conectividade; etc.”.
Se a supervisão é essencial como aliada da nossa escuta e intervenção, ela também se faz fundamental nesse caso: dá mais elementos para sustentar essa aposta de que é possível caminhar nesse território de areias mais movediças e desconhecidas. Por exemplo: e como se operacionaliza a questão do pagamento? E o que se escuta e combina nessas situações? E que ressonâncias e matizes apresenta na singularidade de cada caso? “Quero te pagar com outra frequência; porque a incidência de impostos para envio de dinheiro ao estrangeiro é menor caso acordemos outro esquema. Você topa?”.
Apesar, de o formato ser diferente – através do computador – o psicólogo continua sendo psicólogo, a posição ética, a escuta qualificada e a presença terapêutica permanecem.
Assim sendo, essa escolha – suas motivações; implicações e limites também devem ser ventiladas e tratadas. É fundamental que esse caminho seja considerado legítimo, oportuno. Evidentemente que se trata de um modelo distinto. Mas isso não significa que seja intrinsecamente desprovido de potências.
No atendimento por Skype a questão do foco é levada ao extremo, já que a presença física não se coloca. No atendimento online, na maioria das vezes, seu paciente se apresenta como uma cabeça (enquadre da tela), mas o discurso, as histórias e os sentidos permanecem. Talvez para um psicólogo que trabalhe fundamentalmente baseado em outros vieses que não o da escuta (corporais, por exemplo) um trabalho pela Internet seja impossível. Porém, aqueles que tem como base de seu ofício: a conversa, a narrativa, o quê se fala e o quê se escuta, um trabalho no ciberespaço é possível de acontecer e já está acontecendo. Vale lembrar que a existência de redes (como pontes com psiquiatras através de email ou whatsapp, por exemplo) se faz de uma pertinência importantíssima em algumas situações.
O oficio do psicólogo online é algo fresco, pulsante e vivo. Havemos de reconhecer que ainda se faz necessário avançar nos campos da legislação, das diretrizes, das discussões éticas sobre os limites e potências desse formato. Mas isso não anula o trabalho e a parcerias terapêuticas que já acontecem entre psicólogos e pacientes em seus encontros online. A Psicologia é feita por pessoas e para as pessoas, na dedicação de levar cuidado e escuta qualificada para àqueles que sofrem, que estão incomodados, que querem se conhecer mais. Que possamos usar a potência de conexão e a quebra das barreiras geográficas para que nosso ofício alcance àqueles que poderiam se beneficiar com nosso trabalho, onde quer que estejam.
Quem escreve?
Oi sou Natália Vidal, sou acompanhante terapêutica, me graduei em Psicologia e sou terapeuta online. Desde 2015, uso o ciberespaço como lugar de trabalho-encontro com meus pacientes.
Valéria Lisondo é psicóloga pela PUC-SP. A sua atuação se dá na clínica e também no campo das Empresas Familiares. Desde 2016 se vê interpelada pela modalidade de atendimento através de Skype em função de contingências diversas.
Quem escreve

Natália Vidal e Valéria Lisondo
Natália Vidal é uma apaixonada por gente, por ouvir histórias e por cuidar. É Acompanhante terapêutica e Psicóloga. Desde 2006 se dedica ao consultório particular. Tem como grandes inspirações para seu ofício a Fenomenologia Existencial e as Artes. Em 2016 se muda para a Holanda e continua atendendo seus pacientes agora pela Internet. contato@nataliavidalpsi.com - E - Valéria Lisondo tem uma formação híbrida e atua fundamentalmente em dois campos: o da clínica e o das Organizações Familiares (www.institutolisondo.com.br) . É psicóloga pela PUC-SP com MBA em Administração de Empresas pela FGV - SP e ESADE - Barcelona (CEAG). A sua matriz é a Psicanálise. Também participou do programa " Leading the Family Business" ( IMD - Lausanne). É colaboradora do GEEF ( Grupo de Estudos em Empresas Familiares do FGV- Law)e membro do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares. Atualmente debruça-se sobre a questão do Legado e da transmissão psíquica.